sábado, 2 de maio de 2015

"Ficar ou partir?"

  Todo dia é o mesmo já se vão muitos anos. Todo dia vou de encontro ao meu destino. Eu tenho tentado novos caminhos, procurado por atalhos ou por alguma coisa (que não sei exatamente o quê) que torne a travessia mais agradável, mas o fato permanece: todo dia eu chego ao meu destino atualmente localizado no número noventa e oito da Rua México.

  Ainda que eu possa pegar dois ônibus pelo preço de um e descer bem na porta do meu destino, costumo pegar apenas um, mas que me deixa uns vinte minutos livre. Assim, me aventuro cada dia por uma rua, por uma nova esquina com novos outdoors chamando minha atenção, descobrindo novas fachadas tombadas pelo patrimônio histórico sem nenhuma construção por trás ou caminhando, corajosa, por cima de bueiros desconhecidos sem saber se ventam ou não. 

  Perdi as contas de quantas vezes minha saia levantou, frise-se, desagradavelmente, numa cena digna da Rainha Monroe por um bueiro que não devia estar ali ou me decepcionei por não existir nada por trás de uma fachada que, pela arquitetura encantadora, só poderia ser da Belle Époque. Há, no entanto, uma beleza que permeia toda descoberta e se traduz na satisfação das perguntas respondidas. Se me perguntarem, por exemplo, se conheço um bom café, recomendo o Armazém do Café, na Rua do Ouvidor. 

  Anseio conhecer cada esquina que esteja numa rota possível em direção ao meu destino. Eu adoro passar pela Rua da Candelária, bater perna pela Rua Primeiro de Março, virar na Rua Sete de Setembro, pegar a Avenida Rio Branco e só então chegar à Rua México. Isso em um dia bonito. Já aconteceu de eu tentar fazer esse caminho em um dia chuvoso que eu estava curiosamente mal-humorada pra ver se passava. Momentaneamente, só fiz piorar meu humor. "E se?" eu não tivesse tentado melhorar meu humor? Provavelmente teria chegado seca ao meu destino, mas não saberia como é bonita a Rua da Candelária com pingos e poças brilhantes de chuva e sol.

  Ainda não percorri todos os caminhos e pouco conheço dos que já percorri. Quero percorrer e conhecê-los todos em todas suas variantes: com sol ou chuva, dia ou noite, outono, primavera, inverno ou verão. Pretendo encontrar um caminho que seja capaz de melhorar meu humor em qualquer estação do ano, hora do dia ou tempo, me inspirando beleza e o conforto do conhecido. 

  Algumas vezes, escutando o Vento me dizer que o esforço pra lembrar é a vontade de esquecer, me pergunto se meu ânimo por esses vinte minutos que passo tentando achar o melhor caminho não seria, de alguma forma, um indício de que não quero chegar. Então me percebo míope sem querer enxergar que o meu destino, escolhido por mim, é esperado e bem vindo e o que eu faço é aproveitar o caminho sabendo que é inevitável a chegada. E partida.

  Sei que há de chegar o dia em que meu destino mudará de endereço como já fez outras tantas vezes antes. Sei que acontecerá quando meu caminho me passar o conforto do conhecido. Não sei aonde irá meu destino, mas sei que terei de segui-lo. O caminho que farei é um mistério.

  Cada vez que acredito conhecer o caminho a se fazer para chegar ao meu destino, ele muda de lugar. Se eu alimento uma certeza, ele me cria uma dúvida. Parece não querer que eu crie raízes em nenhum lugar. Falando assim, parece muito egoísta o meu destino, mas é a mim que importa mais o caminho que faço para chegar até ele do que o fato de chegar. Meu destino é solucionar as questões que eu mesma me proponho. Não tenho lugar. A cada questão resolvida, vou em busca de resolver a próxima. Cada vez que chego, parto. E é para isso que serve meu destino: para que eu não deixe de caminhar.

  Todo dia é o mesmo já se vão muitos anos. Todo dia vou de encontro ao meu destino.

  Mas se você me perguntar agora, eu adoraria me fazer uma pergunta sem resposta e, cansada de caminhar, ficar.




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